A Fala do Corpo
Clarisse Spínkola
(Mulheres que Correm com os Lobos)
Embora
sejam verdadeiras e trágicas as perturbações da alimentação compulsiva e
destrutiva que deformam as dimensões do corpo, elas não são a norma na maioria
das mulheres. É mais provável que as mulheres que são grandes ou pequenas,
largas ou estreitas, altas ou baixas, sejam assim simplesmente por terem herdado
a configuração corporal dos seus parentes; se não dos seus parentes imediatos,
então dos parentes de uma geração ou duas no passado.
Difamar ou julgar o
físico herdado de uma mulher é criar gerações e mais gerações de mulheres ansiosas
e neuróticas. As críticas destrutivas e desdenhosas a respeito da forma herdada
de uma mulher privam-na de diversos tesouros psicológicos e espirituais preciosos
e de vital importância. Privam-na do orgulho pelo tipo de corpo que lhe foi transmitido
por linhagens de antepassados. Se lhe ensinarem a rejeitar essa herança física,
ela será imediatamente desvinculada da sua identidade corporal feminina com o
resto da família.
Se
lhe ensinarem a detestar o próprio corpo, como poderá ela amar o corpo da mãe,
que tem a mesma estrutura que o seu? — ou o corpo da avó, ou das suas filhas também?
Como poderá ela amar os corpos de outras mulheres (e homens) próximas a ela que
tiverem herdado o corpo dos mesmos antepassados? Semelhante agressão a uma
mulher destrói seu legítimo orgulho de parentesco com sua própria gente e lhe rouba
a alegria natural que ela sinta por seu corpo, não importa qual seja sua
altura, tamanho ou forma. No fundo, a agressão ao corpo da mulher é uma
agressão de longo alcance que atinge tanto os que vieram antes dela quanto os
que chegarão depois.
O
que acontece é que críticas ásperas a respeito da aceitabilidade do corpo criam
uma nação de garotas altas corcundas, de baixinhas sobre pernas de pau, de mulheres
avantajadas vestidas como se estivessem de luto, de outras muito magras que
tentam se inflar como serpentes e vários outros tipos de mulheres que se escondem.
Destruir o vínculo instintivo da mulher com seu corpo natural subtrai-lhe a
confiança. Faz com que ela insista em descobrir se é uma boa pessoa ou não, e baseia
sua auto-estima na sua aparência em vez de na sua essência. Ela é pressionada a
gastar sua energia preocupando-se com a quantidade de alimento que consome, com
os números na balança ou na fita métrica. Essa destruição lhe dá uma ideia fixa
e influencia tudo o que ela faz, planeja e prevê. No mundo instintivo, é
inconcebível que uma mulher viva absorta desse jeito com sua aparência.
Faz
total sentido manter-se saudável e forte, cuidar do corpo da melhor forma possível.
No entanto, devo admitir que muitas mulheres têm uma "faminta" dentro
de si. Em vez de "famintas" por ter um certo tamanho, formato ou
altura; em vez de "famintas" por se adequar ao estereótipo, as
mulheres têm fome de consideração básica por parte da cultura que as cerca. A
mulher "faminta" ali dentro anseia por ser tratada com respeito,
anseia por ser aceita, e no mínimo anseia por ser vista sem preconceitos. Se
realmente existe uma mulher "gritando para sair", ela está pedindo aos
gritos que terminem as projeções desrespeitosas que os outros lançam sobre seu corpo,
seu rosto, sua idade.
[...] Ao não renunciar à alegria do seu corpo
natural,
ao não "comprar" a ilusão popular de que a felicidade só é concedida
àqueles de uma certa configuração ou idade, ao não esperar nem se abster de
nada e ao reassumir sua vida verdadeira a plenos pulmões, ela consegue
interromper o processo.
Essa dinâmica do amor-próprio e da aceitação de si
mesma são o que dá início à mudança de atitudes na cultura.
(Achei este texto excelente! Precisava compartilhar.)